Resumo: O factor sorte tem menos importância na 1ª divisão de hóquei em patins do que na 1ª divisão de futebol em Portugal, e muito menos do que na liga de hóquei no gelo norte-americana. Não destoa de outras modalidades praticadas em Portugal.
Uma questão interessante em qualquer campeonato é perceber qual é a importância relativa da sorte e do talento para o resultado final. Neste contexto a palavra talento pode ser substituída pela qualidade e incluir tanto algo como a qualidade técnica de um jogador como também a sua capacidade de esforço e sacrifício. Enquadremos dentro desse termo tudo aquilo que um jogador e uma equipa conseguem influenciar deliberadamente para vencer um jogo. Assim, entendamos a sorte como aqueles factores fora do controlo, sendo o mais clássico exemplo a bola que vai ao poste e não entra.
Há vários factores que podem afectar a divisão da responsabilidade da sorte e do talento.
Para avaliar a importância de cada um destes factores no hóquei em patins, e em particular na 1ª divisão portuguesa, este post vai fazer uma análise simples, inspirando-se no método da tese de Josh Weissbock, que agora trabalha para uma equipa da NHL. Weissbock inspirou-se em trabalhos para outros desportos e calculou o impacto do factor sorte no resultado de um jogo da NHL.
O primeiro passo é recolher as percentagem de vitória de cada equipa no final da época. Cada empate conta como meia vitória. Por exemplo, na época 2018/19 o FC Porto obteve 22 vitórias e 1 empate em 26 jogos. A sua percentagem de vitórias é assim: (22 + 1/2)/26 = 0.865 ou 86.5%. Para a nossa 1ª divisão de hóquei em patins, recolhi os resultados das últimas épocas com 14 equipas, com excepção de 2016/17 devido à exclusão do Riba d’Ave.1 São 4 épocas, a começar em 2014/15. Poderíamos recolher mais, mas o método ficará mais simples se não tivermos de lidar com durações diferentes do campeonato.
O segundo passo é estudar o desvio padrão destas percentagens de vitória. O desvio padrão é uma medida estatística que nos diz quão dispersos são os diferentes valores de um conjunto de dados. Valores muito próximos uns dos outros têm um desvio padrão baixo. À partida, quanto mais aleatória for uma modalidade, menor é o desvio padrão. A explicação é que num jogo totalmente de sorte, qualquer equipa pode ganhar hoje mas perder amanhã, pelo que a maioria das equipas ganha próximo de metade dos seus jogos, com pouca dispersão. Num jogo cujo resultado se deve apenas ao talento, a equipa melhor ganha sempre e a pior perde sempre, pelo que será maior a dispersão dos valores. Para o caso da 1ª divisão de hóquei em patins, o desvio padrão das percentagens de vitória recolhidas é 0.237. No entanto, não temos nenhum valor concreto que nos permita interpretar se este valor é alto ou baixo.
Para obtermos uma interpretação em termos de importância da sorte e talento, iremos simular um campeonato com estrutura igual à 1ª divisão (14 equipas, todos contra todos duas vezes) com equipas ordenadas da mais talentosa para a menos. A ideia é simular um número de épocas em que cada jogo é decidido da seguinte forma: com uma certa probabilidade, o vencedor é determinado por moeda ao ar. Nos restantes casos, ganha a equipa mais talentosa. Dependendo do parâmetro que escolhermos para a sorte, iremos obter desvios padrão diferentes. Por exemplo, uma liga com a estutura da 1ª divisão em que o vencedor de cada jogo é determinado totalmente à sorte, simulada 1000 vezes, tem um desvio padrão das percentagens de vitória de 0.098. Caso o vencedor de cada jogo seja decidido apenas pela qualidade das equipas à partida, esperaríamos um desvio padrão de 0.31.
Com a simulação é possível perceber que valor para a percentagem determinada pela sorte produz um desvio padrão das percentagens de vitória mais parecido do que vemos realmente na 1ª divisão de hóquei em patins. Esse valor é próximo de 27.5%. Isto significa que em média, para um jogo da nossa 1ª divisão, 27.5% do resultado final é determinado pela sorte e 72.5% pelo talento da melhor equipa. Isto implicitamente determina um limite teórico para a % de jogos que é possível alguém acertar no vencedor (ignorando que alguns destes seriam empates): 72.5% + 27.5%/2 = 86.2%.
Este gráfico mostra os resultados da simulação. No eixo horizontal, variamos a importância da sorte desde 0 até 100%. No eixo vertical podemos ver qual o desvio padrão das percentagens de vitória obtido para cada valor do parâmetro da sorte. Quando essa linha decrescente se encontrar com a percentagem real, encontraremos o valor do parâmetro da sorte para o hóquei em patins: 27.5%.
Comparando com os parâmetros que Weissbock obteve para a NHL, podemos ver uma grande diferença entre as duas ligas. Na NHL, 76% do resultado de um jogo é determinado pela sorte e apenas 24% pelo talento, uma situação quase simétrica da do hóquei em patins. Parte desta diferença pode resultar de características específicas dos dois desportos, mas certamente que é também influenciada pelos mecanismos de paridade muito fortes na NHL, que tem um limite salarial inflexível e o draft que permite às equipas mais fracas escolherem jovens talentos em primeiro lugar. Com maior paridade entre as equipas, as diferenças de qualidade entre as equipas são menos marcadas e naturalmente que a sorte tem mais influência.
Para obtermos mais contexto sobre o valor deste número, irei agora comparar o valor com outros desportos em Portugal. Recolhi as percentagens de vitória nas últimas 4 épocas dos campeonatos portugueses de futebol, futsal (fase regular), basquetebol (fase regular, 3 últimas épocas)2, e andebol (fase regular, 3 últimas épocas)3 e simulei campeonatos com as respectivas estruturas (número de equipas e jornadas na fase regular) para obter os parâmetros equivalentes para estes desportos.
A principal conclusão é que o futebol é o desporto destes 5 com uma maior componente aleatória: num qualquer jogo, uma equipa inferior pode derrotar uma superior com boas probabilidades. As restantes modalidades tem uma menor componente aleatória. Esta diferença pode ser causada tanto por características do desporto em si como das ligas em particular. Neste aspecto, o hóquei em patins não destoa das restantes modalidades e em particular do basquetebol e do futsal. O andebol destaca-se como a modalidade em que a sorte parece ter menos influência.
Outra questão interessante é estimar quantas vezes ganha a melhor equipa em campeonatos com esta estrutura. Recordo que em alguns destes desportos, estamos apenas a considerar a fase regular e não o playoff (que pode ser um factor que introduz alguma aleatoriedade quando comparado com uma prova de regularidade). Assim, utilizando os parâmetros anteriores, simulámos 1000 épocas e contamos quantas vezes a equipa mais forte é a campeã (da fase regular).
Como em todos estes desportos o campeonato tem apenas duas voltas, os resultados são semelhantes aos do exercício anterior. No caso do campeonato de futebol, a equipa mais forte não é campeã na maior parte das vezes. Tal situação não acontece nos outros desportos. Mais uma vez, o hóquei em patins fica muito próximo dos valores do basquetebol e do futsal, dado que estes desportos têm também um número semelhante de jornadas.
A conclusão principal é que a 1ª divisão de hóquei em patins em Portugal tem uma imprevisibilidade (medida pela importância do factor sorte) semelhante à de outras modalidades, mas inferior à do futebol. É natural assim que vejamos probabilidades de vitória no modelo da época muito próximos de 100% quando as principais equipas encontram as mais fracas.